Veja quais práticas de prestação de contas que infrigem a lei

A administração de um condomínio edilício impõe ao síndico a obrigação de gerir recursos alheios. Central a essa gestão está a prestação de contas, um dever que, de acordo com o Código Civil (“CC”), compete ao síndico e deve ser realizado à assembleia, anualmente e sempre que exigidas (Art. 1.348, VIII). A Lei 14.010/2020, embora transitória (período de Pandemia), reforçou esse princípio ao impor o caráter de obrigatoriedade e publicidade à prestação de contas regular, sob pena de destituição do síndico (Art. 13).

A inobservância dessas regras configura má gestão e pode levar o síndico a enfrentar a
destituição (Art. 1.349 do CC). Abaixo, detalhamos as principais práticas que configuram
infração legal na esfera da prestação de contas.

Omissão ou recusa em convocar a Assembleia Anual (AGO)

O síndico tem o dever legal de convocar anualmente a assembleia para a aprovação do orçamento, das contribuições e da prestação de contas. A omissão sistemática dessa convocação constitui uma falha grave, pois impede que a coletividade exerça seu direito de fiscalizar e aprovar (ou reprovar) a gestão.

Caso o síndico se recuse ou se omita, a lei faculta a um quarto (1/4) dos condôminos o direito de convocar a assembleia (CC Art. 1.350, §§ 1o e 2o). Este é o caminho legalmente previsto para forçar a transparência, evitando, se possível, a judicialização.

Prestação de contas genérica ou sem documentação comprobatória

A obrigação de prestar contas (prevista também no Art. 22, § 1o, “f”, da Lei 4.591/1964) exige que os balancetes sejam claros e analíticos. Apresentar contas de forma sintetizada ou genérica, sem a documentação comprobatória mínima, ou “fatiar” as contas em relatórios isolados, é uma prática irregular.

Embora o princípio tenha sido discutido no contexto de falências, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) aponta que o administrador deve ser responsabilizado pelo período integral de sua gestão. Isso implica que a prestação deve abranger todo o mandato, e não apenas períodos convenientes ou isolados, sob pena de responsabilização.

Recusa de acesso individual à documentação condominial

É importante diferenciar o direito de examinar os documentos do direito de exigir contas em juízo. Todo condômino tem o direito de inspecionar os livros e documentos relativos à administração (direito individual). A recusa em franquear essa documentação fere a transparência e pode levar a ações judiciais de exibição de documentos.

No entanto, a lei (CC Art. 1.348, VIII, e Lei 4.591/94, Art. 22, § 1o, “f”) impõe que a prestação de contas formal seja feita à coletividade (assembleia), e não a cada condômino isoladamente. O STJ consolidou o entendimento de que o condômino, individualmente, não tem legitimidade ativa para ajuizar a ação de exigir contas contra o síndico. Saliente-se que se as contas já foram aprovadas em assembleia, a ação judicial posterior é carecedora devido a falta de interesse processual.

Falha na transição de gestão de contas do ex-síndico

O dever de prestar contas não cessa com a renúncia ou destituição do síndico. O ex-
síndico tem a obrigação de prestar contas completas do seu período de gestão, e não pode usar sua saída como escusa para se exonerar de seus encargos.

Embora possa ser logisticamente inviável para um síndico destituído apresentar as contas imediatamente na mesma assembleia (visto que os ânimos estão acirrados e o Conselho Fiscal não teria tido tempo de análise), a obrigação persiste e deve ser cumprida em data posterior, fixada pela nova gestão.

O risco da judicialização e o quórum de destituição

Quando o síndico comete irregularidades (incluindo o não prestar contas ou administrar de forma inconveniente), ele está sujeito à destituição pela assembleia. O quórum necessário para a destituição é o voto da maioria absoluta dos condôminos presentes na assembleia especificamente convocada para esse fim, conforme interpretação consolidada do STJ (Art. 1.349 do CC), ou seja, 50% dos condôminos presentes mais um condômino.

É importante notar que, embora a ação de exigir contas seja um instrumento legal (CPC, Art. 550), o Judiciário espera que as partes ajam de boa-fé. A propositura de ações judiciais de prestação de contas com alegações infundadas contra o gestor pode levar o condomínio a ser condenado por dano moral, por excesso na petição inicial e acusações não comprovadas.

A transparência, portanto, não é apenas uma boa prática gerencial, mas um imperativo legal que previne litígios, assegura a validade dos atos da administração e protege o síndico de acusações de infração.

*Por Dr. Rodrigo Palacios, sócio da área de Direito Imobiliário do Viseu Advogados; Juris Doctor pela St.Thomas University School of Law, em Miami (EUA), e pós-graduado em Direito Imobiliário pela Universidade SECOVI